sexta-feira, 1 de outubro de 2010

Helen

“... Eu não acredito em envelhecimento.
Eu acredito em alterar para sempre
o aspecto de alguém para a luz.
Eis meu otimismo.”
Virginia Woolf


Quando estava indo fechar a porta depois dos carregadores saírem eis que me surge um dos homens mais lindos que já vi na vida. Ele estava parado na porta do apartamento em frente, sorrindo calorosamente e a porta formando uma moldura da tela em que ele se formava.
- Nunca ti vi, mas acho que você é o homem da minha vida – Infelizmente disse a mim mesma, mesmo sabendo da extinta chance de ter aquele homem.
- Olá! – Ele me cumprimentou ainda com aquele sorriso.
- É... Oi! – Também sorri, claro, pelo menos tentei.
- Então você é a nova vizinha? – fechou a porta do seu apartamento e deu um passo para atravessar o corredor – Muito prazer, eu sou Andy. Andreas, mas todos me chamam de Andy.
- Oi Andy – Apertei gentilmente a mão que ele oferecia – Sou a nova vizinha sim. Muito prazer, Helen Martins, todos me chamam de Helen – Sorri novamente.
- Seja Bem vinda Helen. Eu vim pra ajudar com a mudança se você quiser.
- Não precisa se incomodar com...
- Não vai ser incomodo, estou com o dia livre e é sempre um prazer ajudar a vizinhança. – Andy Sorriu novamente, com certeza aquele sorriso abria caminhos – vamos por a mão na massa então?

*****

Começamos pelo quarto, que segundo Andy era o cômodo principal da casa, “É onde você passa a maior parte da sua vida, é o seu cantinho” – disse ele. Em pouco tempo Andy já tinha me conquistado, ele era um amor de pessoa... E lindo, porém era gay. Ele contou sobre sua vida, sobre seus amigos e seu namorado com os quais morava do lado, viramos amigos de infância.
Entre caixas de livros e equipamentos, Andy mostrou uma empolgação quando soube que eu era fotógrafa, mas nada comparado quando soube que também amava cozinhar.
- Então já fica me devendo um almoço na sua cozinha nova, que tal uma massa caseira?
- Com certeza – Respondi – Mas quero o senhor braços fortes me ajudando.
- Combinado, uma macarronada à quatro mãos – Andy completou rindo – Nossa, a Mari que vai adorar.
- A Médica?! – Pelo o que eu entendi o apartamento do Andy era uma bagunça de gente, tinha médicos, modelos, cantores. Mas parecia uma bagunça arrumada, gostosa de ver, uma pequena família sem convenções.
- Ela mesma. Seus pais são italianos.
- A convidamos então! – completei com um sorriso implícito.
Andy ficou me ajudando até o fim da tarde, depois teve que ir prometendo voltar na manhã seguinte se precisasse. Aproveitou a despedida e me convidou para vê-lo apresentar no abr onde toca, apenas agradeci e prometi ir outro dia, já que estava exausta.

*****
Coloquei meu último livro na estante, parei um tempo para admirá-la, o suficiente para perceber o mundo de caixas espalhadas pela minha nova sala. Por mais triste que eu estava quando entrei nesse apartamento, senti um alívio sentada naquele sofá. Paz, segurança... Destino, alguma coisa além dos nossos conhecimentos me dizia que a partir de hoje minha vida mudaria.
Então ri do nada.
- Não mesmo! – Levantei decidida.
Definitivamente não iria ficar arrumando minha mudança em uma noite de sexta como aquela, que tudo fique uma bagunça até amanhã. Tomei um banho, troquei-me, conferi o relógio e deixei minha nova casa no West Side.

Nasci no Brasil, mas pelo trabalho do meu pai, minha mãe e eu, viemos morar nos Estados Unidos quando eu ainda estava no colégio. Meu pai trabalhava na embaixada brasileira em Washington, na qual não entendia muito bem. Tive uma vida boa, mas difícil pela ausência do meu pai, que tentava suprir sua falta dando de tudo o que eu queria, embora não tenha buscado muitas coisas na vida. Nunca dói o tipo de garota que enlouquecia com um cartão de crédito ilimitado na mão, ganhei um de aniversário aos quinze anos.
Mas também não era hipócrita a ponto de dizer que não ter que me preocupar com dinheiro era ruim. Graças à posição do meu pai pude realizar um dos poucos sonhos que tenho na vida, viajar pra vários lugares e conhecer o mundo. Pude ver Madonna em uma de suas turnês pela Europa, a Torre Eiffel em Paris, conhecer as noites de Londres. Também estudei nas melhores colégios e não gostava de como as portas se abriam pra mim.
De tudo isso quem não gostava era minha mãe. Daria sua Mercedes para ter o papai em casa a tempo para o jantar. O casamento com o divorcio até que acabaram bem, há quatro anos, mas eles ainda se falam não só pela obrigação por terem me criado. Desde então vim estudar em Nova York, passei por algumas coisinhas chatas da vida, entretanto agora aqui no meu novo apartamento pretendo me consolidar como fotógrafa enquanto curto um dos outonos mais lindo do mundo, que já trazia boas promessas.

Segui pela Broadway, virei em uma esquina até que me dei conta de que estava no Soho, um dos bairros com melhores bares e restaurantes da cidade. Parei em frente a um bar que anunciava musica ao vivo, Midtown Coffee, MTC. Gostei do clima então resolvi entrar. Estacionei ao lado de uma bela moto amarela que fiquei namorando uns minutos antes entrar.

Ao colocar os pés naquele lugar já tinha gostado de cara. Parecia uma mega sala de estar, com um bar ao fundo, umas mesas de biliar ao lado e mesinhas envoltas a um pequeno palco de música ao vivo. Pessoas jogavam enquanto conversavam, outras apenas conversavam, o barman estava sempre sorrindo e jogando drinks para o ar. Observei atentamente o lugar para ver se reconhecia alguns amigos que comentavam muito do lugar, quando de repente alguém me venda os olhos com as mãos.
- Quem é? – perguntei já tateando as aquelas mãos para reconhecer a quem pertencia. – mãos de homem, acho eu.
A pessoa balançou afirmamente minha cabeça.
- Mãos levemente compridas e macias... e você é cheiroso hein, embora não reconheça o aroma.
As mãos abandonaram seu rosto, quase ao mesmo tempo em que me virei.
- Andy!
- Oi Helen! – Com o sorriso lindo. – Acho que já ouviu muito hoje, mas você está muito gata.
- Ah, bondade sua Andy – sorri também – É só um jeans e um suéter velho.
- Quero ficar tão bem quanto você em um suéter velho – nós rimos – Procurando alguém?
- Com um cara lindo desses ao meu lado? Não mesmo.
- Tudo bem, então vem, quero te apresentar ao ‘meu’ cara lindo.
Está bem, essa noite não dava pra ser melhor, Andy é uma ótima pessoa e estava me apaixonando por tudo logo de cara. Meu visinho, minha casa, o MTC, e agora Thomas, o ‘lindo’ do Andy, “E Que Lindo!”. Sentei-me com os dois e mais do que depressa Thomas me perguntou se podia pedir um bom drink da casa para mim, pela educação aceitei.
Em pouco tempo já tinha me enturmado e começamos a conversar sobre a vida, tudo bem que era mais uma entrevista sobre minha vida, pois eu só respondia. Mas de repente me pareceu ter visto alguém.
- Meninos, a conversa está ótima – não era totalmente mentira, não me sentia bem sendo “entrevistada”, mas em parte a conversa estava boa – Acho que acabo de ver um amigo entrando.
- Claro – Thomas concordou olhando para Andy fazer o mesmo.
- Mas vê se volta... logo – Andy concluiu entendendo depois pelo olhar de Thomas que era para darem espaço para Helen.
Meu amigo Jake parou no bar quando me viu caminhando até ele, nesse meio tempo fiquei pensando o quanto duas pessoas totalmente diferentes e novas na sua vida podem ser tudo o que você precisa. Não tinha conversado com os meninos mais do que duas horas, mesmo assim senti que eram boas pessoas, uma amores. Cumprimentei Jake rapidinho e disse que estava com uns novos amigos, e ele me disse o mesmo apontando para a mesa de Andy e Thomas. Poderia haver mais coincidências? Jake fazia parte da “Bagunça boa”, o nome que Andy se referiu aos amigos que moram em seu ‘apê’ com o Thomas.
Jake Sato é um belo exemplo da beleza oriental. Ele é modelo e trabalhamos inúmeras vezes para campanhas de revistas de moda para a qual já trabalhei. Jake é o tipo de pessoa que encanta, sorri com o corpo e espontaneamente. Sem falar que adoro aqueles olhinhos rasgados, é o que mais me chama atenção nele.
Passou um bom tempo e eu estava ali cercada de homens lindos me divertindo em uma sexta a noite, bem melhor que minha visão sentada no sofá, ri para mim mesma. Os meninos queriam jogar bilhar, mas recusei de primeira, por que eu nunca fui boa em jogos. Entretanto não adiantou muito, pois eles me fizeram jogar assim mesmo e pagar alguns micos básicos.

- Seus traidores! – Uma moça de lindos cabelos loiros disse rindo aos meninos – Só porque me atrasei no banho vocês me trocam? – completou brincando.
- Karen, que bom que chegou. Essa é a nossa nova vizinha – Respondeu Andy.
- Ah, oi – Karen já se aproximou sorrindo e me deu um beijo no rosto – A vizinha gata!
- Acho que... Obrigada! – Respondi sem jeito.
- Helen Martins – Jake me apresentou.
Karen foi outra super simpática comigo, e uma das que mais insistiu para que não fosse embora cedo, mas estava cansada e com muito custo fui para casa.
Mesmo indo embora cedo, adorei a noite e pensava nisso enquanto dirigia para casa. Não me divertia assim a muito tempo, ultimamente era só trabalho e mais trabalho, me fez bem sair um pouco e esquecer os problemas da vida, mesmo a vida preparando pra mim uma coisa nova ainda sem meus conhecimentos.
Estacionei na garagem do prédio e uma moto amarela como a do MTC estava ao lado da minha vaga, então decidi que como as coisas boas vêm em três eu iria comprar uma moto igual se visse novamente. Ri dos meus pensamentos. Até mesmo porque minhas finanças estavam em baixa, por conta da compra do apartamento novo.
- Ótimo! – Me disse quando vi uma placa de “com defeito” no elevador. Tive que subir as escadas, com a boa sorte de ver duas motos iguais, alcançava os degraus bufando.

Enquanto subia lembrei-me de ter que ligar para minha mãe e comecei a procurar o celular na bolsa, quando de repente sinto um vão e uma mão me segura antes que eu encontre com os degraus da escada. Uma maluca veio descendo as escadas e me deu uma trombada, ainda bem que me segurou antes de cair.
- Ai! – Foi a única coisa que consegui expressar com palavras.
- Foi Mal. Me desculpe. – Disse a ruiva.
- Ah, tudo bem, valeu por não me deixar rolar tudo o que tive que subir – Terminei rindo olhando a escada. Ela riu também, me disse que tinha bons reflexos, então. Nos despedimos e continuei subindo.
- Ei, espera. – Ela me chamou e veio subindo – Vou te acompanhar. Esqueci o meu capacete.
- Moto amarela? – Perguntei quando ela já tinha me alcançado.
- É sim.
- Linda.
- Obrigada. Mas, você é nova no prédio, não é? Nunca te vi por aqui.
- Sou sim. – Entramos as duas na porta do quarto andar – Acabei de me mudar.
- Ah, a vizinha gata? – me disse sorrindo.
- Conhece os meninos? – tentei esconder meu desjeito.
- Moro com ele – Ela disse abrindo a porta de casa – Seja bem vinda, hein.
- Obrigada. Até mais, hein – paramos as duas na porta,como se tentássemos ver quem desligava o telefone primeiro.
- Até então – Ela começou a entrar e balbuciou algo que me pareceu “hum... ela é gata mesmo”, e entrou rindo.
- Obrigada de novo. – ri um pouco – Você... você também é.... – tentado acabar com minha timidez com um pulo muito grande. Mas uma ruiva, cabelo abaixo dos ombros, brincos de argola, jeans e uma jaqueta preta por cima de uma blusa lilás, o que mais eu poderia “tentar” dizer?
- Sou a Mariana.
- Helen.
- Até mais então Helen. Tenho que correr ou o pessoal me mata. Sai correndo, por que tinha que resolver um probleminha.
- Sabia que tinha visto sua moto em algum lugar. Eu estava lá, eles estão implorando por você no bilhar. Eu fui um horror.

Ela sorriu.
- Agora vai, estou te prendendo aqui.
- Ok. Boa Noite. Mas por que não volta comigo?
- Não estou muito cansada, a mudança e tudo mais.
- Tudo bem. Boa noite então.
- Boa noite. – Fechei a porta e escancarei a boca, pelo que me pareceu o “elevador com defeito” foi a minha sorte e encontrar a dona da moto amarela seria a mesma coisa de ver uma, agora teria que comprar aquela moto. Ri daquela situação toda passando pela minha cabeça. Lembrei de novo de ter que ligar pra minha mãe.

Nenhum comentário:

Postar um comentário